OBESIDADE em equinos, sinal de beleza ou problema de saúde?

Alertados pelos crescentes problemas de saúde em humanos, vários pesquisadores veterinários tem se dedicado ao estudo da obesidade e suas complicações em cavalos. Obviamente o conhecimento ainda está muito além do que se sabe em humanos, mas descobertas recentes têm mostrado dados muito interessantes e importantes para os criadores. Entre tanto, hoje já sabemos que os cavalos obesos sofrem de vários dos problemas que os homens tem, incluindo o aumento do triglicérides, o aumento do colesterol e a resistência insulínica, que já é conhecida como Síndrome Metabólica Equina.

A hiperlipidemia, ou seja, o aumento de gordura no sangue (triglicérides e colesterol), já está muito bem descrita em minicavalos, pôneis, jumentos e mesmo em burros. Neste caso, animais mais obesos desenvolvem o aumento triglicérides e colesterol no sangue, que levam ao acumulo de gordura no fígado (fígado gordo), que por sua vez para de trabalhar de forma adequada. Quando o fígado é afetado, os animais ficam sem apetite e começam a perder peso rapidamente e podem apresentar fraqueza, tontura e até convulsões. É uma doença grave, podendo evoluir para a morte em 40% dos animais afetados.

A Síndrome Metabólica também tem sido cada vez mais diagnosticada em equinos. Os cavalos, como têm vida mais curta que os homens, dificilmente ficarão diabéticos ou terão derrame ou infarto do miocárdio. Contudo, a resistência insulínica em cavalos obesos tem sido fortemente associada à Laminite, uma doença de grande impacto para o cavalo.

A Laminite, também conhecida como aguamento, é uma inflamação que acontece nas estruturas internas do casco. A forma de Laminite mais conhecida é aquela que surge quando o Mangalarga Marchador é submetido a um esforço muito intenso ou após um episódio de cólica oi uma infecção uterina grave. Nestes casos, se a inflamação não for contida, o casco se desprende dos ossos. Em casos graves, o animal pode perder os cascos e ter que ser sacrificado.

Entretanto, no caso da obesidade, a Laminite é bem diferente. Ela acontece de forma silenciosa. Sem que o dono ou o treinador perceba, ela vai promovendo pequenas lesões, que vão se acumulando com o tempo. Um dia, sem mais nem menos, o Mangalarga Marchador apresenta uma manqueira e, ao passar por um exame de Raio X, percebe-se que já existem sinais avançados da separação entre o casco e os ossos. Como o processo acontece lentamente, dificilmente o cavalo perde o casco e tem que ser sacrificado, contudo a Laminite dos obesos faz com que o animal tenha constantes crises de dor e os cascos podem ficar completamente deformados.

Como identificar a doença?

O primeiro passo no estudo da obesidade é saber reconhecê-la. Como saber se seu cavalo está moderadamente obeso, obeso ou muito obeso. Para tanto deve-se observar os principais pontos de depósitos de gordura no cavalo, sendo eles: a parte superior do pescoço (“crista do pescoço”), a cernelha, o lombo e a base da cauda, atrás da espádua e de sua articulação, o costado e ao redor das saliências dos ossos da garupa.

Com base na avaliação visual da quantidade de gordura depositada nestes pontos específicos, veterinários criaram escalas para avaliar o escore corporal baseada da deposição de gordura localizada. Existe uma escala mais simples, que vai de 0 a 5, a escala de 1 a 9 tem sido mais utilizada na atualidade. Nessa escala, a nota 1 corresponde ao animal extremamente magro, que não possui depósito de gordura aparente e a musculatura está muito atrofiada, deixando aparentes as saliências ósseas. Já na nota 9, existem depósitos evidentes de gordura localizada.

Com base nesta escala, aparecem os primeiros levantamentos da incidência de obesidade em equinos. Por exemplo, nos Estados Unidos, um estudo preliminar em 300 cavalos, demonstrou 10% de obesos. Contudo, no estado de Ohio, 22% dos animais adultos foram considerados obesos. Em pôneis, a obesidade ainda é mais comum, afetando 28% em um estudo feito na Austrália. Os levantamentos iniciais também demonstram que algumas raças parecem ser mais propensas a desenvolver a obesidade, como é o caso das diversas raças de Ponêis, além dos Árabes e até mesmo cavalos Quarto de Milha.

No Brasil ainda não existem pesquisas publicadas, mas em nossa rotina de cirurgiões veterinários, é fácil constatar durante o ato cirúrgico que a maioria dos animais de raças nacionais que são submetidos a cirurgia de cólicas (geralmente reprodutores de alto valor), apresenta grande quantidade de gordura, tanto debaixo da pele quanto entremeada entre os órgãos internos.

Não se sabe ainda com certeza se as raças nacionais são mais propensas à obesidade, mas acredita-se que raças que foram selecionadas em ambientes com pouca oferta de alimentos, como é o caso dos Árabes, são mais propensas a acumular peso. Este raciocínio se deve ao fato de que, em um passado de falta de alimentos, animais que se mantinham em bom estado corporal comendo menos tiveram maior destaque no desenvolvimento da raça. Uma vez que as raças nacionais de Marchadores se iniciaram predominante em pastos nativos das serras de Minas, de baixo poder nutricional, é de se esperar que hoje esses animais sejam muito resistentes e ao mesmo tempo consigam ganhar mais peso que o normal quando lhes é ofertada uma dieta moderna de alto valor nutricional.

Novas pesquisas

Além do ensino e da prestação de serviços à comunidade, a pesquisa direcionada para o desenvolvimento tecnológico é uma atividade de grande importância dentro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na Escola Veterinária existem vários professores que se dedicam a diversos aspectos da criação, reprodução, treinamento atlético e da saúde em equinos.

O estudo da Laminite é um dos focos dessa atividade. Atualmente na UFMG tem participado, por meio de uma motivada equipe de alunos de graduação, mestrado e doutorado, de um esforço conjunto com outras universidades do país e do exterior para se determinar as causas da separação do casco (a pior consequência da Laminite) e propor tratamento eficaz para esta doença, que vem trazendo sofrimento para um número crescente de cavalos em todo o mundo. A meta deste consórcio de institutos de pesquisa é a descoberta de métodos de controle de tratamentos eficazes até o ano de 2020.

Na vanguarda dessas pesquisas, está o curso na UFMG o teste de um moderno anti-inflamatório produzido na Itália (ainda em fase inicial de teste em humanos) para tratamento da Laminite aguda em cavalos, aquela que acontece após uma cólica intestinal intensa. Também já se iniciou uma série de levantamentos para se identificar as características dos cascos de cavalos e obesos de raças nacionais. Nessa linha de trabalho, estudos realizados por nosso grupo em associação com a Universidade Federal de Pelotas mostram que 50% dos equinos da raça Crioulo mais obesos (escore 9) apresentam, a exame de Raio X, sinais clássicos de Laminite e de separação de casco. Este dado foi ainda mais relevante considerando-se o caráter silencioso do desenvolvimento da doença uma vez que nenhum dos animais estudados havia apresentado sintomas prévios da Laminite.

Os estudos também já se iniciaram na raça Mangalarga Marchador. Em um plantel foram medidos e radiografados os cascos de 36 éguas, 18 com peso normal e 18 com obesidade moderada. Os resultados foram muito interessantes, primeiro porque não se verificaram diferenças entre os dois grupos, mostrando que a obesidade moderada em éguas reprodutoras criadas a pasto não parece ser um fator de risco para Laminite na raça Mangalarga Marchador. Mas um achado que chamou bastante atenção dos pesquisadores foi o de que as medidas tomadas ao exame de RX mostraram que a raça Mangalarga Marchador possui padrões de posicionamento dos ossos que compõe a pata distintos dos padrões descritos para raças internacionais. Esta pesquisa com a raça Mangalarga Marchador chamou a atenção de vários veterinários, sendo selecionada como destaque nos trabalhos apresentados na Semana de Iniciação Cientifica da UFMG em 2010, e premiada como melhor trabalho científico da área Clínica no último Simpósio Internacional do cavalo Atleta ocorrido em abril de 2011.

Em conjunto, estes trabalhos iniciais demonstraram que raças nacionais possuem características próprias na constituição de suas patas, que precisam ser caracterizadas e documentadas. Também se verificou que a forma silenciosa da Laminite determinada por obesidade pode se desenvolver em nossas raças, trazendo sérios prejuízos. A impressão inicial é que animais criados a pasto estão relativamente seguros, contudo esta condição deve ser investigada com urgência em animais realmente obesos na raça Mangalarga Marchador. Acreditamos que a preocupação maior deve ser com éguas doadoras de embriões e garanhões, ou seja, animais que tendem à obesidade, pois normalmente recebem alimentação reforçada sem, na maioria das vezesm exercer atividade física regular.

Por: Rafael Resende Faleiros (Prof. Adjunto da Escola Veterinária da UFMG, Doutor em Cirurgia Veterinária pela UNESP, Pesquisador do CNPq)




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